'Até para o ano', primeiro filme de Philippe Machado, filho de emigrantes portugueses



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Philippe Machado, filho de emigrantes portugueses na França, estreou o seu primeiro filme em 2019 no Luxemburgo no Ciné Utopia. No ano contorverso de 2020, viu a sua obra nalgumas telas de cinema de França e  Portugal. Esta obra  foi rodada no verão de 2018, com o título original de "À l’année prochaine" (Até para o Ano) no Alto Minho. 
O filme saiu em outubro de 2020 na FILMO TV (https://www.filmotv.fr/film/a-l-annee-prochaine/19192.html), que é uma plataforma streaming disponível na França, Suíça, Luxemburgo, Andorra, Mónaco etc. FILMO TV está disponível também nos operadores franceses SFR, Bouygues, Orange, Free. Em Portugal, o filme encontrou outra plataforma e parceiro de distribuição, que é a FILMIN (https://www.filmin.pt/filme/ate-para-o-ano).

Retratando a morte de um familiar, a peculiariadade desta história é acontecer no seio de uma família de emigrantes. Normalmente, para estes o reencontro dá-se no Verão, no conhecido e "querido" mês de Agosto. Em que todos os verões, familias se reencontram com a noção de que por vezes, alguns desses familiares poderão não ser reencontrados no ano seguinte. Um assunto duro e intimista, mas retratado com muito carinho.

O luso.eu falou com o realizador sobre o seu filme e tudo o que envolveu!

Carla Pimenta(CP)/Luso.eu: Philipe  machado, vive na França em que cidade? Nasceu em Portugal ou já é segunda geração de emigrantes?

Philippe Machado (PM): Nasci na França, em 1993. Vivo nos arredores de Paris, em Pantin. Já sou da segunda geração de emigrantes.

CP/Luso.eu: Terminou o seu curso recentemente e lançou o seu primeiro filme que já tem sido bastante referenciado. Chegando a ser apresentado no festival do Minho. Qual a sensação? Esperava que um tema, que acaba de certa forma ser banal para quase todos os portugueses, fosse recebido com tanto fervor?

PM: Foi um sentimento de grande orgulho. Sabia que o filme ia encontrar um certo interesse. É verdade que no papel, é banal e que esse tema já foi tratado. Mas sempre queremos nos reconhecer numa obra artística, que fala de uma experiência comum. Acho que consegui com esse filme criar uma espécie de espelho universal para os portugueses que emigram e que já viveram esse tipo de situações, essa dor. O filme é intimista, muito pessoal mas é também universal. 

CP/Luso.eu: A paixão pelo  cinema surge a partir de que momento? Quando percebeu que era isso que queria fazer?

PM: Foi nos anos de 'collège'. No oitavo/nono ano em que comecei a ver certos filmes que me marcaram como o Padrinho 3 (de Francis Ford Coppola) ou Virgin Suicides (de Sofia Coppola). Fiquei fascinado pelas narrativas e comecei a querer contar as minhas próprias histórias. Desde aí, via quase todos os dias um filme.

CP/Luso.eu: De onde surgiu a ideia e em que se inspirou?

PM: De uma experiência pessoal, de certa forma pode-se falar de um filme autobiográfico. Foi a morte de um tio meu em Portugal, que era muito próximo da família. Foi um momento marcante.

CP/Luso.eu: Qual o objectivo principal deste filme? Retratar a distância física, e nalguns casos emocionais, da emigração? Ou mais a dificuldade de estar longe de quem se deixa e saber se cá estarão de novo? Ou apenas a emigração em geral?

PM: A distância, o luto, a ausência. Este filme conta a dificuldade de dizer adeus nesses momentos importantes. Ir embora quando só queremos estar presentes, ajudar. Esses sentimentos são próprios para a emigração em geral. Quando se vai embora, sabemos que há esse risco de deixar alguém que não vai estar presente no nosso regresso.

CP/Luso.eu: Num país como a França,  que sempre apoiou a cultura cinematográfica, foi fácil obter apoios para realizar este filme, sendo um ano tão complexo como este?

PM: Tive a 'sorte' de fazer esse filme antes da pandemia. Consegui então alguns apoios, universitários em maioria.

CP/Luso.eu:  Quanto tempo demorou para fazer o filme? Houve mais obstáculos? Quais as maiores dificuldades?

PM: Foi quase um ano e meio entre as filmagens e a montagem completa. Rodamos no verão 2018 e o filme saiu em dezembro 2019. As dificuldades são quase sempre financeiras. Fiz o filme em Portugal, em Monção, e houve uma certa dificuldade em  trazer uma equipa técnica, os atores, etc. Há sempre imprevistos que se traduzem muitas das vezes em dinheiro.

CP/Luso.eu: O que facilitou o trabalho?

PM: Um grande apoio familiar e das aldeias de Cambeses, Portela e da vila de Monção. Trouxeram-me apoio logístico e financeiro que foi um grande alívio.

CP/Luso.eu:  Os actores tiveram de fazer casting ou são artistas que já conhecia?

PM: Houve dois atores que já conhecia e outros que encontrei numa sessão de casting. Foi difícil escolher os talentos mas muitas das vezes, há uma sensação que sai dessas sessões onde sabemos no fundo do coração quem vai ser escolhido.

CP/Luso.eu:  Tem tido muitas oportunidades para levar o seu filme aos Portugueses? e pelo mundo, tem tido algum apoio nesse sentido, ou é tudo pelo seu esforço?

PM: A pandemia atrasou muito as oportunidades de o levar para Portugal. Mas houve uma aliança entre os diferentes apoios que encontrei como o Rui Ramos do Festival de Melgaço, o Antonio Raul Reis do Bom Dia, o Cap Magellan, Radio Alfa, LusoJornal, FILMIN, FILMO TV que deram muita visibilidade e distribuição para o filme. É muito trabalho dar a conhecer um filme, e essas pessoas foram essenciais.

CP/Luso.eu:  Acha que o cinema feito por portugueses  é algo que agrade a outros e seja valorizado? Ou nem os próprios compatriotas aderem? Uma vez que o seu filme é muito em francês foi fácil chegar até aos franceses? Ou mesmo assim não mostraram interesse?

PM: O cinema portugês é muito apreciado e há um grande respeito pela produção atual. Há imensa qualidade mas é verdade que falta publico, infelizmente. Portugal não tem a mesma fidelidade e força de público como a França. Mas cineastas contemporâneos como Pedro Costa, Miguel Gomes, João Pedro Rodrigues, João Nicolau, Teresa Villaverde etc são respeitados no mundo. Sem falar dos mestres Manoel de Oliveira e João César Monteiro. Aqui, tive interesse pelo meu filme, graças a comunidade portuguesa. Tive oportunidades de o mostrar nos cinemas e consegui levá- lo a plataforma de streaming VOD FILMO TV. Apercebi-me que o filme tinha eco também com pessoas que não eram portugueses e isso significa muito para mim.

 CP/Luso.eu:  Estes tempos que vivemos são especiais. Com a situação de pandemia, não deve ter sido fácil. Como tem conseguido gerir tudo? Tem saudades dados tempos sem restrições? Onde se podia abraçar todos? Tem tido possibilidade de viajar?

PM: Foi complicado, em termos profissionais. Tive que gerir esse tempo da melhor forma que pude, e foi na escrita que consegui ultrapassar esses momentos. E claro que sinto falta desses tempos pré-COVID e acho que ainda não nos apercebemos bem do trauma que essas restrições vão ter nos tempos futuros. A distância é sempre dor. Tive a possibilidade de viajar no verão 2020. Num momento de calmaria geral onde fui para Portugal, sul da França e Itália. Foi uma grande lufada de ar fresco.

CP/Luso.eu:  Portugal é um país que é conhecido pela  falta de apoio ao sector da cultura . Neste momento que o país tem fechado setores e oferecido ajudas. Sentiu alguma diferença? Tem havido mais disponibilidade do governo para apoiar os artistas? Ou ainda veio agravar mais a vossa situação?

PM:  Sigo atentamente a situação cultural em Portugal mesmo não vivendo lá. No meu caso, estou elegível para ajudas francesas e não portuguesas. No entanto, vejo bem as tremendas dificuldades dos artistas portugueses em financiar os projetos. Ultimamente, houve essa raiva contra o ICA e os forma como os financiamentos são feitos. Portugal tem de ter uma posição forte, ao lado dos artistas que fazem com que o cinema português seja um dos melhores do mundo. Um país sem cinema forte é um país fraco. Todos os atores da produção, notavelmente da televisão, têm que tomar responsabilidades, pois o risco é o desaparecimento da cultura. 

CP/Luso.eu:  O que a seu ver o COVID19 tem mostrado ao mundo? E o que tem revelado do mundo?

PM:  Os dois lados. Grande solidariedade e ao mesmo tempo, tremenda incompetência política e cinismo. O COVID revelou muitos dos falhanços políticos em termos de saúde e de proteção social. Já existiam, mas houve uma explosão clara. Acho que revelou o fracasso dos nossos sistemas.  

CP/Luso.eu:  Assim que tudo isto passar, tem já planos traçados? Algum novo filme?

PM: Estou atualmente a gravar um pequeno documentário conjunto com o BOM DIA onde andamos a entrevistar emigrantes pela Europa. Gravamos a viagem França-Portugal de carro e queremos ouvir histórias e vozes dessa emigração. Estou também a escrever uma longa-metragem e uma mini-série.

CP/Luso.eu:  Gostaria de deixar uma mensagem aos seus fãs, amigos e familiares?

PM: Esses tempos trazem uma coisa : Há que aproveitar o máximo. Da nossa família, dos pequenos momentos, focar-se nas pequenas felicidades do dia-a-dia. Nessa incerteza global, temos que reunir as nossas certezas.

PARA VER AS FOTOS / Até ano que vem (Até para o ano) / trailer (2020)

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Carla Pimenta
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