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Nesta manhã lenta e cinzenta, engolida por um céu que acordou com os pés fora da cama, enquanto me preparava para começar a trabalhar, deixei-me levar pela vista da janela do gabinete de comunicação da Câmara Municipal do Funchal.
Os meus olhos avistam o parque de estacionamento da autarquia, a estrada, as pessoas com semblante (pre)ocupado e com pressa, até porque estão sempre com pressa na cidade, e o lufa-lufa da urbe chega-me aos ouvidos, mesmo com auscultadores. Logo a seguir a minha vista é atraída pelo verde da serra, pelas zonas mais montanhosas, que de uns anos para cá têm ganho a minha preferência. Muitas vezes estou a escrever, concentrada, e num ápice a minha mente foge para admirar aquelas montanhas longínquas verdes e que gritam silêncio. No fundo sinto que é o oposto do ambiente citadino.
Enquanto viajava pelas profundezas destes pensamentos díspares, fui invadida por uma sensação de gratidão por estar viva, por estar enraizada, presente e conectada. Embora estes dias cinzentos na ilha sempre tenham agudizado o peso e angústia existencial kafkiana que há em mim – alma velha –, com o tempo aprendi a acolher esses sentimentos e a nutrir até uma alegria comezinha por os ter. Significa que tenho uma caixa de ferramentas emocional mais madura e que aprendi a reconhecer a beleza de caminhar entre a primavera e o outono do meu interior. Entre o desabrochar das flores da minha alma e a queda de folhas do meu ser.
Ao contemplar esta vista entendo como nunca entendi Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa, o poeta bucólico e que embora gostasse dos seus poemas nunca me identifiquei tanto como, por exemplo, Álvaro de Campos. Se calhar é pela idade que consigo começar a perceber, tal como no Guardador de Rebanhos, a grandeza da pequenez da minha aldeia.
Quando me vi de volta às raízes, aqui na Madeira, depois de alguns anos fora, fiquei com receio de me sentir estrangeira. E sinto-me ainda algumas vezes, tenho que admitir esse absurdo de Camus que também ecoa pela minha essência. Mas isso é apenas quando estou na cidade. No meio da Natureza caminhando pelos verdes, castanhos e azuis que há no meu interior, sinto-me em casa.
São nesses momentos agridoces que me lembro de Alberto Caeiro. Eu pensava que para ver o mundo tinha de sair da minha aldeia. Precisava do mundo todo para ser. E preciso. Mas quando era mais nova, a vida citadina atraía-me, pensava que era lá que estava o conhecimento, a intelectualidade, o progresso. Talvez seja por ter nascido numa região ultraperiférica. Hoje entendo que não há sabedoria sem o silêncio, sem o apreciar das pequenas coisas e que há muita magia e metafísica em levar uma vida simples, como atesta Alberto Caeiro:
“Da minha aldeia veio quanto da terra se pode ver no Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não, do tamanho da minha altura...
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver."