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Entre humor e ironia, esta narrativa provoca reflexões sobre responsabilidade, presença no trabalho e os dilemas da vida contemporânea.

Em Zaibra dos Olivais, a rotina da fábrica foi sempre marcada por um fluxo constante de trabalho e a presença de rostos conhecidos. Entre eles, Juvenal, o homem invisível que, por sete longos anos, soube explorar a arte de desaparecer. À primeira vista, nada que se pudesse dizer sobre Juvenal pareceria estrondoso. Com 69 anos, uma postura ligeiramente encurvada e um olhar que parecia alternar entre o sonolento e o pasmado, passava despercebido como um móvel velho numa sala cheia de gente.

O verdadeiro milagre da sua ausência prolongada não estava apenas na sua capacidade de faltar ao trabalho sem que alguém percebesse. O milagre residia no fato de nunca ter merecido um olhar mais atento ou uma pergunta mais incisiva: «Onde está Juvenal?». Nunca tal aconteceu. Nem os seus colegas, nem os membros da equipa de Recursos Humanos, demasiados apressados nas suas rotinas, onde pareciam mais preocupados com a conquista semanal ou mensal de números, do que em perceber que um dos seus funcionários, um senhor que deveria estar a contribuir para o dia a dia da empresa, estava a gozar uma ausência de anos. Será que isto foi premeditado pela própria empresa para perceber até que ponto os funcionários estavam atentos a tal falta?

No entanto, a situação de Juvenal veio à tona ao ser convocado para receber um prémio por antiguidade. A ironia não poderia ser mais sublime. A comissão, muito provavelmente apanhada de surpresa, descobriu que o fantasma de Juvenal não era apenas um eco distante no corredor, mas uma realidade palpável que, ao que tudo indicava, nenhum deles se atrevera a investigar.

No momento de receber o prémio, a reacção de Juvenal ao ser confrontado pela sua prolongada ausência na empresa foi um misto de indiferença e humor. Como se estivesse a dar uma aula sobre a leveza da vida, declarou: «Que interesse tem trabalhar, se afinal a fábrica continua a andar?». A frase, trágica, ecoou por entre risos nervosos, marcando o início de uma onda de memes e piadas que inundaram as redes sociais.

E não parou por aí. Com a sua nova fama, Juvenal, o omnipresente, tornou-se objecto de discussões na linha de montagem e nas pausas de café, onde se falava da eficácia dos mecanismos de controlo da presença. «Como é possível que ninguém tenha notado uma falta de sete anos?» questionava um operário, tentando entender o surreal da situação. A resposta não tardou a surgir. A cultura de prémios e a ineficácia das directrizes administrativas estavam em causa, assim como a falta de supervisão num ambiente que deveria ser coeso e responsável.

A empreitada de Juvenal, ao longo da qual «supervisionou» de forma ausente e invisível a construção de uma estação de tratamento de esgoto, prefigurou-se como um exemplo claro das falhas do sistema. Daí surgiu a multa de 60 mil euros que agora pairava sobre os seus ombros, uma consequência da sua audácia, mas que também reflectia a responsabilidade de uma administração que permitiu que tal absurdo ocorresse.

Durante anos, a empregada de limpeza da fábrica, sempre à procura de manter a ordem entre o caos, olhava para a cadeira vazia de Juvenal e nunca conseguiu evitar uma leve tristeza. No meio de toda a comédia da situação, a sua solidão e desinteresse eram, na verdade, um grito silencioso sobre os dilemas do trabalho, da humanidade e da sociedade.

A justiça pode ser lenta, mas, tal como a história de Juvenal demonstra, as suas revelações costumam chegar de forma inesperada. Entre mestres do escapismo e o peso da responsabilidade, nós iremos, eventualmente, confrontar as consequências das nossas acções, mesmo que façamos isso como quem caminha como caracóis por entre um oceano de burocracia. E no final, o que restará será a reflexão sobre o que realmente significa estar presente no mundo do trabalho e, por extensão, na vida.

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