No seu castelo envolto em nevoeiro, o velho do Restelo passava as noites em clara penúria de espírito, extremando-se na senda dos seus fantasmas, que pareciam ter mais vida do que ele próprio.
Arrumado entre livros empoeirados e pergaminhos amarelados, era um homem de uma suscetibilidade ímpar, que se ressentia com a mera ideia de que as novas tecnologias pudessem invadir o seu sagrado espaço criativo. "ChatGPT?", exclamava ele, com um ar de desgosto que faria inveja a qualquer lorde das trevas. "É um fantasma que não se vê e não se sente! Um ladrão de pensamentos!"
As suas angústias eram palpitantes. O velho não confiava nem na própria criadagem, temendo que até a sombra do seu mordomo quisesse roubar os seus preciosos rascunhos em busca de fama e fortuna. E com razão, numa era em que tudo se digitaliza à velocidade da luz, os seus pensamentos corriam risco de serem sequestrados por uma máquina que, coitada, mal sabia o que era sentir. Com um ar de condescendência, ele esbravateava: "Prefiro escrever na pedra, que assim, tal como eu, ficará para todo o sempre!" E pensava que assim imporia a sua vontade imutável sobre o mundo efémero dos bits e bytes.
Mas, a verdade é que toda esta agitação era, enfim, o delírio do velho do Restelo, em luta constante contra os ventos da modernidade. Que infortúnio! Encontrava-se tão agarrado às suas ideias – lá do tempo em que a roda ainda não havia sido inventada – que mal percebia como o seu próprio castelo se tornara na sua própria prisão longe de tudo e todos.
"Ah, mas quem é que há-de querer tirar-me o que é meu?", resmungava, enquanto se agarrava à sua pena como um marinheiro a um tronco no meio da tempestade. Não percebia que, na esfera dos chats e algoritmos, o verdadeiro tesouro não estava em manter segredos, mas em partilhar as histórias que nos fazem humanos e, ironicamente, que até um chatbot pode, de alguma forma, abraçar alguma forma de criatividade.
Como um verdadeiro avô rabugento, o velho também ignorava que qualquer tentativa da máquina em imitar a genialidade humana estava longe de ofuscar o brilho da sua própria quimera. Nos recantos sombrios do seu castelo, ele não via que o diálogo poderia não ser um roubo, mas uma dança de ideias, onde a história e a tecnologia poderiam nem que fosse um dia, entrelaçar-se numa valsa inesperada.
Assim, à medida que a noite avançava, o velho do Restelo continuava a martelar as suas pedras, enquanto lá fora ecoavam as risadas dos que desfrutavam da fluidez da linguagem digital. E ele, firme na sua crença de que a penumbra do seu castelo era mais digna do que a luz brilhante do mundo, não percebia que, à sua maneira, também ele era um produto da própria Era da Informação, mas apenas de uma forma muito, muito… mais antiga.