No dia 16 de novembro de 2025 a Polónia acordou com uma irregularidade nos seus caminhos de ferro na ligação entreVarsóvia e Lublin. Segundo o comunicado da policia de Radon:
“Esta manhã, às 7:39, um maquinista reportou por telefone irregularidades na infraestrutura ferroviária na área deŻyczyn, na região de Garwolin, perto da estação de comboios de Mika.”
Algo que poderia parecer uma situação sem grandes preocupações, sem ser os problemas de deslocação de pessoas emercadorias nesta linha, transformou-se rápidamente num caso de emergência nacional, o mais grave ocorrido em território polaco desde a 2ª Guerra Mundal. Maciej Duszczyk, subsecretário de Estado do Ministério da AdministraçãoInterna Polaco, em declarações à Polsat News afirma que a Polónia tem enfrentado vários tipos de sabotagens e que estapoderia ser mais uma visto que os danos verificados nos carris não aparentam ter sido por causas naturais ou por problemas com o material circulante. Contudo, notícias começam a correr o país de que os danos detectados foram atos de sabotagem com explosivos a uma infraestrutura que, por milagre, não causou vítimas civis, dando espaço para todo o tipo de teorias e especulações. O Primeito Ministro polaco, Donald Tusk, escreveu na sua conta X o que todos mais temiam, a confirmação de que tinha ocorrido um “ato de sabotagem sem precedentes, dirigido contra a segurança do Estado polaco e dos seus cidadãos” na linha ferroviária entre Varsóvia e Lublin. Desde janeiro de 2024 já foram detidas 55 pessoas por suspeitas de sabotagem em território polaco, isto porque sendo a Polónia o principal corredor logistico deapoio à Ucrânia é um alvo directo de espionagem, possiveis sabotagens e de alguns acidentes muito bem lembrados como mísseis e drones que “acidentalmente” entraram no espaço aéreo polaco.
Quando a situação acalmou foi possivel compreender a real dimensão deste caso. Houve uma sabotagem em duas partesda linha férrea que liga Varsóvia a Lublin. Um dos atos recorreu a explosivos C4 junto da aldeia de Mika, que detonou nomomento em que um comboio de carga estava a passar, a outra sabotagem ocorreu mais perto de Lublin com a colocaçãode uma barra metálica nos trilhos com o objectivo de fazer um descarrilamento. Este segundo ato afetou um comboio com475 passageiros que foi forçado a parar devido à repentina quebra de janelas. Felizmente o comboio não descarrilou enão houve feridos a registar. É de salientar que na área onde ocorreu a sabotagem encontra-se a 3ª Base Regional deLogistica das Forças Armadas polacas que alberga um depósito militar de combustível. Durante as investigações foram identificados três suspeitos de nacionalidade ucraniana de nomes Oleksandr K., Yevhenii I. e Volodymyr B. que, segundodeclarações do Primeito Ministro Donald Tusk, colaboravam com os serviços de inteligência russos, tendo fugido para a Bielorrússia.
Este não é o primeiro caso em que cidadãos ucranianos estão envolvidos em situações que criam disrupções ou tensõesna Polónia. Já aconteceu aquando da explosão do Nord Stream 1 e 2 (setembro de 2022), um míssil ucraniano que caiu em território polaco matando dois cívis (novembro 2022) ou mais recentemente um conjunto de drones que entraram noespaço aéreo polaco sem que as forças ucranianos alertassem os seus aliados europeus (setembro 2025). O anteriorPresidente polaco Andrew Duda, chegou a afirmar após a sua saida do cargo que desde o ínicio do conflito que o Presidenteucraniano Volodymyr Zelensky tentou com que a Polónia se juntasse ao conflito e levasse consigo toda a NATO, tornandoeste conflito regional num conflito global. Estas afirmações aumentaram as tensões entre cidadãos polacos e ucranianos ecriou um fosso ainda maior na opinião pública, que pretende o fim do apoio financeiro à Ucrânia, e os seus líderes políticos que procuram a todo o custo elevar a fasquia para um ponto em que o
conflito será inevitável. Porém, existe uma outra visão sobre a possível negatividade sobre a opinião pública polacaacerca do conflito existente na Ucrânia. Para além do visivel cansaço de mais de três anos de conflito, a fundação ResFutura identificou uma rede de propaganda pró russa que usa as redes sociais para difundir um conjunto de narrativas de culpabilização da Ucrânia e/ou da própria Polónia pelos eventos sucedidos. A monitorização e análise dos dados feitapela Res Futura revelou que 42% das reações onlide atribuiram a culpa desta sabotagem nos caminhos de ferro polacosà Ucrânia e 19% à própria Polónia, o que prova a existência de uma vulnerabilidade da opinião pública. Se lermos asnotícias polacas, e ouvirmos os diversos políticos e analistas, percebemos que os mesmos atribuem esta e outras sabotagens que ocorrem na Polónia a um “padrão russo” de pequenas sabotagens como incêndios e espionagem de eixos logisticos, recorrendo na sua maioria dos casos, a cidadãos migrantes provenientes da Bielorrússia, Ucrânia, Geórgia e América Latina sem ideologias política e com recursos financeiros limitados, sendo recrutados por aplicações de mensagens como o Telegram e pagos em dinheiro ou em criptomoedas. O Dr. Michał Piekarski, especialista em segurança pela Universidade de Wrocław, explicou à TVP World que a Federação Russa está a investir num modelo disperso de sabotagem onde o grupo é “anónimo, intercambiável e resistente à infiltração” pelo facto de não conhecer ocontexto nem as consequências dos seus atos. Segundo o mesmo, inicialmente é solicitada uma tarefa simples como a deslocação de uma caixa de um ponto para o outro, observar um determinado local, perturbar a sinalização ferroviáriaou provocar pequenos incêndios. A maioria não sabem quem lhes dá as ordens nem como as suas pequenas ações se inserem num plano muito maior e complexo. Este método torna o sistema barato e díficl de infiltrar e se um dos sabotadores falhar ou for detido são fácilmente substituidos com o mínimo risco para os organizadores.
Com o país num estado de alerta elevado, e ainda sem uma confirmação das reais intenções dos sabotadores ou seestes pertenciam, ou não, aos serviços de inteligência russos, o Governo polaco avançou de imediato com represáliasdiplomáticas à Federação Russa fechando o último consulado deste país na Polónia. Os cidadãos russos residentes naPolónia ficaram, assim, sem nenhum consulado onde possam tratar dos seus documentos, tendo agora somente a embaixada russa localizada em Varsóvia. Esta embaixada é o último sinal de um possível canal de diálogo entre os doispaíses num período de elevada tensão. Porém, a tensão poderá escalar visto que a câmara baixa do parlamento polacoaprovou por unanimidade (439 votos a favor e 1 abstenção) uma resolução que solicita ao Governo polaco a relocalizaçãoda embaixada russa localizada na rua Belwederska, em Varsóvia, devido a receios de sabotagem e à sua próximidade a edificios estratégicos do Estado.
Seja qual for o resultado a Polónia tem sido o palco mais visivel das tensões neste conflito, onde por um lado, temos aUcrânia a fazer de tudo para que a Polónia entre neste conflito e a apoie militarmente contra a Rússia e, por outro lado, umconjunto de ataques e sabotagens, atribuídos à Federação Russa, para fragilizar a força europeia, a divisão de opiniõespúblicas bem como dificultar o fornecimento de armas e mantimentos à Ucrânia. No final de tudo, mesmo que um acordo de paz seja aprovado entre a Rússia e a Ucrânia, as relações diplomáticas não vão melhorar nas próximas décadas epodem mesmo a levar a um novo conflito armado. Estamos oficialmente numa guerra morna.
Hugo Rufino Marques


