Entrevista com Rui Ferreira, de Sever do Vouga a Bruxelas, onde construiu uma carreira ligada ao vinho e à valorização das tradições portuguesas no estrangeiro.
Nascido em Angola e criado, a partir dos quatro anos, numa pequena aldeia do concelho de Sever do Vouga, Rui Ferreira guarda na memória a magia de crescer em contacto direto com a natureza. “Acordávamos todos os dias cara a cara com os elementos e vivíamos ao ritmo deles, contrariamente à cidade”, recorda.
Em abril de 1993, com 21 anos e acabado de cumprir o serviço militar obrigatório, decidiu viajar para Bruxelas — não com o espírito típico do emigrante, mas para duas semanas de férias. O plano mudou rapidamente. “Acabei por ficar até hoje”, conta. O facto de ter duas irmãs na capital belga facilitou a decisão, assim como o domínio do francês, que suavizou a adaptação. O maior choque? As temperaturas de inverno, bem mais rigorosas do que imaginava.
Rui sempre terá tido curiosidade sobre a cultura belga, mas foi surpreendido pela diversidade de uma grande cidade onde se cruzam povos de diferentes latitudes. Com o tempo, apaixonou-se pela arquitetura, pela banda desenhada e, inevitavelmente, pela cerveja. A convivência com pessoas de várias nacionalidades moldou-lhe a visão do mundo e também a forma de fazer negócios: “Conhecer costumes e tradições diferentes deu-me uma perspetiva mais rica sobre o que as pessoas gostam e valorizam.”
Hoje, Rui Ferreira é reconhecido como um profundo conhecedor de vinhos, profissão que exerce com uma combinação de rigor técnico e sensibilidade para contar histórias. E, como explica, nem sempre o vinho se vende pelo paladar: “Não deveria acontecer, mas pode acontecer quando há confiança no produtor e no enólogo.”
Para ele, tradição e inovação não são conceitos opostos, mas complementares: “Inovação ao serviço da tradição.” Entre os mitos que enfrenta diariamente, destaca o da “temperatura ambiente”, tantas vezes mal interpretada. E não hesita em recusar vender um vinho em que não acredita.
Do cliente que compra pela história ao que escolhe apenas pela etiqueta, Rui aprendeu a decifrar sinais: “Se há cumplicidade e interesse pelo que estou a dizer, sei que a garrafa vai sair.” E, sim, acredita no “vinho perfeito”: “Portugal tem vinhos do Porto, da Madeira e moscatéis que estão nesse patamar — mas nem toda a gente tem o paladar para reconhecer essa perfeição.”
Talvez a sua venda mais difícil diga muito sobre o seu percurso: convencer um francês a comprar espumante português. Afinal, para Rui Ferreira, o vinho não é apenas um produto — é um encontro entre culturas, tal como a sua própria história de vida.