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(Tempo de leitura: 4 - 7 minutos)
Foto: DR


Aqui estou eu...

No salão do cabeleireiro, com pratas no cabelo à espera que a tinta faça o seu efeito para depois da lavagem olhar para ele e verificar se os tons de cor, entre o louro e o castanho que a cabeleireira aplicou, disfarçam os cabelos brancos que já se fazem acentuar na minha cabeça.

Na minha vida, afinal.

Pois, 57 anos recentemente concretizados. Uma história entre tantas histórias que têm recheado esta existência. De facto, sou mais um ser humano com histórias para contar.

São nuances que, como as que estou a aplicar nos meus fios de cabelo, continuam a enriquecer o mundo que fui criando e desenvolvendo neste tempo que é o meu.

E, nesta pausa, quis escrever sobre essas nuances da vida para alguém me ler. Porque escrever é a minha vontade de dizer, afirmar, constatar, desabafar, expressar algo, e o desejo de que outra pessoa leia as minhas palavras, se envolva e regresse para uma nova leitura.

Ah, está bem. A cabeleireira veio espreitar uma das pratas e confirma que tenho que esperar mais uns minutos até passarmos à fase da aplicação do produto que fixará a tinta, seguido da respetiva lavagem e posterior secagem e modelagem do cabelo.

Assim, nesta linha do meu pensamento, ando há dias para me expressar, em geral, sobre as nuances da vida, um desabafo que pode ser uma necessidade ou simplesmente um chamado de atenção para a reflexão. 

Lembro-me de uma das escritoras portuguesas da atualidade que me marcou pela sua escrita simples e sucinta sobre aspetos do dia a dia tão importantes que culminam em constatações determinadas pela sua experiência de vida, pelo seu conhecimento do ser humano de forma abrangente.

Reparei que, no seu último livro lançado recentemente, Olhos nos Olhos, Helena Sacadura Cabral oferece-nos, em capítulos curtos e incisivos, observações sobre realidades associadas à vivência da mulher e do homem, conselhos para um caminhar mais sóbrio e sensato perante as experiências vividas.

Oh, tenho que interromper. Aí vem o próximo passo para a conclusão do trabalho das nuances. Agora, faço uma pequena paragem nesta crónica...

Huuum, uau! Gosto! Umas nuances claras, misturadas entre o louro claro, e o castanho escuro, onde, evidentemente, a eterna e apaixonante cor clara de que as mulheres preferem pintar o seus cabelos, sobressai. Rejuvenesci!

Sorrio, pois a aparência, a imagem que transmito, por menos natural que seja nestas alturas, revitaliza-me psicologicamente. É somente um estado de espírito mas um must muito cool! Se me permitem o desvio à língua.

E, continuando com a minha introspeção, a sagacidade da escrita de Helena sobre as nuances da vida, leva-me a parar e a pensar. Reflito sobre os contrastes, sobre as  vissitudes, sobre as alegrias, sobre os impedimentos... fico com uma visão mais nítida, mais reveladora, entendo melhor os outros e a mim própria. Porque tal aconselhamento incide sobre como as nuances se entrelaçam mas também como os seus tons podem ter brilho por si só.

E são tantas as nuances da minha existência, que me modelam enquanto mulher, enquanto ser humano. Fazem de mim o que eu sou. Uma pessoa concreta, determinada, serena, objetiva, emocional, empática, sincera...

Tal como nos fios de cabelo, se souber aplicar essas caraterísticas, a minha simplicidade sobressairá perante a beleza da própria existência. Através de um olhar transparente, de um sorriso simples, de um inclinar da cabeça, de uma postura leve e positiva em resposta aos cabelos grisalhos que se pretende esconder.

Na verdade, não significa que não serei capaz de um dia aceitar que os mesmos fazem parte de quem sou, que afinal são o símbolo da minha maturidade, da minha sabedoria, da minha humildade, da minha riqueza.

Mas, como não sou perfeita, essas nuances em que trabalho, de tempos a tempos, para além de embelezarem temporariamente os meus dias, precisam de ser reforçadas, limadas, tratadas para que se mantenham.

Até que, deixarei de as aplicar, para simplesmente aceitar os fios de prata como o ouro da minha existência.

E assim, termino a minha ida ao cabeleireiro, saindo com uma sensação de bem-estar e de tranquilidade comigo própria, para além de enlevada ao observar um olhar ou outro sobre mim, sobre as nuances que embelezam o meu sorriso perante a vida em movimento.

A caminho de casa, decido fazer um desvio, tal como tantos que faço quando necessito de procurar algo diferente para me sentir bem. Aventurar-me a fugir à rotina é uma nuance que me preenche. E neste caso, será mais propriamente acrescentar um momento de bem-estar ao meu dia. Como  entrar numa livraria representa para mim olhar para uma tela de grande dimensão e ver nela o delinear abstrato de linhas e cores, que desejo ansiosamente desvendar. Aqui, as nuances de cada autor estão patentes através das suas palavras. E aqui, encontro a Helena.

Procuro pelo seu livro a fim de ler algumas páginas e rever as nuances da sua interpretação da vida, a fim de me ajudar acontinuar a fazer uma retrospetiva a algumas delas e a refletir sobre outras.

Tal como os fios do meu cabelo, que apresentam os meus 57 anos de existência, e nessa sequência um tom grisalho na sua raiz, como diz esta autora, as peças do quebra-cabeça da vida encaixar-se-ão” se o tempo permitir. E assim tem sido. Porque, cada dia é uma tela em branco, à espera de ser preenchida com as pinceladas da experiência “. E neste percurso, as nuances que surgem ou que construo permitem que aquela assim evolua, sempre na expetativa de continuar a fazer parte integrante do dia seguinte.

Instala-se uma serenidade dentro de mim, como se respirasse o ar puro de um campo de flores silvestres, quando observo este mundo de livros intermináveis nas prateleiras da livraria, um prazer infindável ao percorrer com o olhar as suaslombadas, procurando absorver os títulos e as matérias a que se referem. Aqui, suspiro profundamente o cheiro a papel, algo gratificante e inspirador.

Entre tantas nuances do meio literário, destacam-se as minhas preferências, para além das publicações da Helena. São tantas as publicações,  são tantos os autores, que é difícil selecionar o que gostaria de ler. Porque quando não tenho uma ideia pré-definida da obra que procuro, inclino-me para a minha intuição, para o meu instinto no momento. É como percorrer um determinado caminho na vida, sem definição do minuto seguinte, e ter como base as emoções para servirem de guia. Quantas vezes acerto, mas também erro, por isso é fundamental estar atenta e ser cuidadosa. Assim,  apreciarei ou não e terei a noção de que fiz a escolha certa ou errada para continuar o meu percurso, que poderá ser alterado em função dessa decisão. É assim com as nuances a aplicar nos fios do meu cabelo, é assim a escolha dos livros que leio. 

E este local de cultura, de culto para quem lê e para quem escreve representa uma das nuances que preservo, com a qual cresci acreditando que através da leitura a minha aprendizagem era constante, que a vontade de escrever, revelando ao mundo quem sou seria o meu contributo para preservar a língua que tanto amo e a poesia e as histórias que me identificam.

Aqui estou eu... a sorrir para as nuances do meu cabelo e da minha vida. Para as nuances, afinal, de quem me lê.

Ana Santos

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