O Serviço Nacional de Saúde (SNS) atravessa uma crise estrutural evidente, marcada pela crescente dificuldade em atrair e reter médicos.
Os concursos públicos mais recentes demonstram essa realidade de forma preocupante, com mais de metade das vagas a permanecerem por preencher. Este problema, já grave no contexto nacional, assume proporções ainda mais dramáticas nas regiões do interior, onde o despovoamento agrava a escassez de profissionais. Nessas áreas, a ausência de médicos poderá levar ao encerramento de unidades hospitalares, comprometendo seriamente o acesso a cuidados de saúde básicos.
A analogia com o sector da educação é inevitável. Assim como existem escolas sem professores suficientes para cobrir todas as disciplinas, há hospitais sem especialistas para responder às necessidades das populações. Além da dificuldade de recrutamento, o SNS enfrenta o desafio de formar novos médicos em número suficiente. Em resposta, tem-se recorrido ao recrutamento de profissionais estrangeiros. Embora essa seja uma solução válida, desde que cumpra os rigorosos critérios estabelecidos pela Ordem dos Médicos, é evidente que se trata de uma medida paliativa, incapaz de responder às raízes do problema.
Urge, assim, que o Governo e a Ordem dos Médicos desenvolvam, em conjunto, um plano abrangente e estruturado que se possa designar como um verdadeiro “Plano de Salvação Nacional”. Não é admissível que, em pleno século XXI, se mantenham entraves à abertura de novos cursos de Medicina, especialmente quando existem instituições académicas prontas a acolher e formar futuros profissionais de saúde. É certo que os médicos formados hoje só estarão disponíveis dentro de uma década, mas a cada ano de inação afunda-se ainda mais o SNS numa crise de proporções alarmantes.
É essencial que o planeamento no sector da saúde não se limite ao curto prazo. Portugal precisa de estratégias que visem horizontes de 10, 20 e até 30 anos, mas que, simultaneamente, enfrentem os desafios imediatos. Caso contrário, o país continuará a assistir a situações inadmissíveis: partos realizados a caminho do hospital, falecimentos evitáveis devido à demora no socorro e comunidades inteiras privadas de cuidados de saúde básicos. Estes cenários não são meras possibilidades remotas; representam, infelizmente, uma realidade que começa a emergir em várias zonas do país.
Adicionalmente, é urgente reconsiderar o modelo de remuneração no SNS. A escassez de profissionais resulta, em grande parte, de uma disparidade entre as condições oferecidas no sector público e aquelas disponíveis no sector privado ou em mercados internacionais. No sector empresarial, quando uma função não é preenchida, ajustam-se os salários, criam-se incentivos e melhoram-se as condições de trabalho para atrair os melhores candidatos. O SNS não pode ignorar esta lógica. A menos que adapte o seu modelo de remuneração e condições às exigências do mercado, continuará a perder profissionais e a colocar em risco a sua sustentabilidade.
Por fim, é fundamental que esta questão seja abordada de forma responsável e com a seriedade que merece. Os cidadãos, ao escolherem os seus representantes políticos ou ao elegerem os responsáveis das suas ordens profissionais, devem ponderar cuidadosamente sobre quem está realmente empenhado em promover mudanças estruturais no sistema de saúde. Não é mais aceitável perpetuar uma gestão ineficaz e bloqueios institucionais que impedem o progresso.
Um SNS robusto e eficiente é essencial para o bem-estar da sociedade portuguesa. As decisões que tomarmos agora determinarão se o sistema será capaz de responder às necessidades futuras. Não agir é, em si mesmo, uma escolha — e uma que poderá custar muito caro ao país.