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Neste final de Outono, uma noite fria traz-nos memórias do tempo que já fomos, da vida que vivemos, do tempo que virá.

Não queremos recordar lugares escuros que as nuvens desenham e cobrem, mas eles existiram  para que momentos mais felizes sucedessem. E por cada um deles, pelos quais suspirámos profundamente sobre a nossa existência, o tempo foi passando e deixando a sua marca.

Com as folhas multicoloridas a multiplicarem-se na mudança da vida, a caírem embelezando a paisagem que cobre o nosso semblante em tons de terra, terra de barro, cobrindo-se de erva, pedras envolvendo-se de musgo com o orvalho das manhãs, este tempo é de reflexão.

O Inverno da vida inicia-se e com ele a nostalgia de dias mais cinzentos que nos convidam a refugiarmo-nos no aconchego de uma lareira ou de um canto onde uma manta aquece o corpo, ou de dias soalheiros em que o sol ilumina os corações frios do clima agreste.

Algo que nos conforta quando a noite chega e desejamos que o som de uma melodia nos abrace o coração.

A vontade de viver é isto... a vontade de pegar numa caneta e escrevinhar umas linhas em que um poema ou um texto nasce durante este ritual, torna-se num pedaço de felicidade que se acrescenta a esses momentos de descontração que as estações da vida nos trazem. Escrever desabrochando as emoções e desfolhando os pensamentos.

E nos intervalos, outros momentos se desenrolam...

Dirigimo-nos à cozinha, aquecemos um chá, servimos conjuntamente um prato de biscoitos numa bandeja e levamos para a sala onde nos sentamos e sorrimos.

Refletimos sobre quem somos, no silêncio... no silêncio que a noite nos traz, quando o ser humano descansa do dia, nas horas mais tranquilas do nosso pensamento, nos segundos mais rápidos que o tempo não pára...

Um gole do liquido quente, feito de ervas que a natureza oferece, aquece o nosso ser, e  saboreamos um pedaço de um biscoito que alimenta um sorriso.

E escrevemos sobre a nossa essência e o que sobre ela se reflete o peso do mundo onde vivemos.

Quantas vezes, ao longo da vida, pensamos em quem somos? De onde provêm as nossas origens? Quem são os nossos familiares? Ou seja, qual é a história que está por trás da nossa existência? Para isso, temos que recuar, inevitavelmente, ao passado. Pois do passado, advém o presente e determina-se o futuro, numa fração de segundos.

E nesta paragem no tempo, todos os pensamentos e emoções são possíveis. Porque cada história é diferente.

Um exemplo de vida: século XX, finais dos anos 60. Nasce uma menina num país africano, filha de imigrantes europeus.

Regressam ao país de origem dos seus pais nos anos 70.

Com um mundo em transformação a vários níveis, as mudanças de uma era são inevitáveis.

E a menina tem que se integrar numa nova sociedade, em que o desenvolvimento não é tão flexível em termos de mentalidades. Mas, o mundo evolui rapidamente.

Cresce, protegida pelos seus pais, tendo ao redor uma enorme família. Vai construindo um mundo próprio, e onde várias amizades vão fluindo e fixando-se para a vida. Descobre nesse mundo, que tem uma especial aptidão para a escrita, descoberta com a leitura frequente de livros infantis que os pais lhe ofereciam, depois com o enriquecimento dos livros clássicos, portugueses e estrangeiros, que engrandeciam a sua cultura. Quantas vezes passava noites inteiras a ler?

E o mundo trouxe-lhe os primeiros olhares, as primeiras emoções que a faziam estremecer e sonhar. O 1o amor.

E mais uma mudança de vida surgiria, nos anos 80, em que os pais procuraram dar-lhe uma perspetiva de vida melhor. Continuando os estudos, o primeiro e único emprego acontece na Administração Pública do seu país de nacionalidade e de sangue.

Assim segue o seu percurso, em que lhe é permitido conhecer tantas pessoas, entre elas amigos e colegas para a vida, apaixonar-se e casar-se nos anos 90, viajar um pouco por alguns continentes, divorciar-se e revelar-se enquanto escritora e poeta, já no século XXI, de forma simples e discreta.

No entanto, apesar de se conhecer e saber algo sobre a história genealógica da sua família, o que a enriqueceram pela sua variedade de mentalidades, mas acima de tudo pela mesma base de valores, questiona-se sobre quem é. Sobretudo, sobre o que o futuro ainda lhe reserva.

E neste caminhar, períodos únicos da história da humanidade sucediam-se a nível cultural, social, económica, industrial, tecnológica, etc. Porque as transformações da humanidade continuaram e tiveram impacto na sua vida em particular. Pela sua continuidade profissionalmente e pela sua visão que se reflete na escrita.

Mais uma paragem se dá neste momento de introspeção.

Poisamos a caneta, levantamo-nos e com uma xícara de chá quente e um biscoito, dirigimo-nos à janela e um olhar para a noite fria e escura confunde-se com um céu estrelado, e as memórias daqueles que nos deram vida sobressaem. Em certos casos, vislumbramos no nosso pensamento o rosto da nossa mãe e do nosso pai, em que em mais um Outono e um Inverno não estão presentes, em que não puderam ver e acompanhar o concretizar dos sonhos dos seus filhos.

Mas, muitos de nós questionam-se, "os meus sonhos ainda existem?".

De facto já não sonhamos da mesma forma, porque uma parte do que pretendíamos alcançar acabou por nos completar sobre aquela que ficou por realizar. Acreditamos que haja um ou outro desejo que ainda se concretizará, mas a partir de uma certa altura deixamos que a própria vida flua, sem ansiedade, sem exaltações, sem correrias, e vamos largando aos poucos os sonhos de uma juventude cheia de energia. Porque a meta principal é a busca da tranquilidade.

Mas, cada história é diferente. E todos têm a sua história para contar, ao longo das estações com que a natureza nos contempla e que nos envolvem cada vez mais na sua própria existência. Porque, anteriormente, quase não prestávamos atenção aos detalhes e pormenores com que se formam e se desenvolvem, às transformações que vão produzindo efeito sobre o planeta onde vivemos e sobre s nossa própria existência. E, afinal, acabamos por olhar para elas e procurar nelas o significado do nosso próprio comportamento, as reações que se evidenciam quando surgem, uma de cada vez, no nosso universo.

Assim, entre o Outono e o Inverno, a necessidade de aprofundarmos a curiosidade sobre quem somos, de absorvermos o conhecimento sobre o que nos rodeia, torna-se uma constante mais tranquila mas mais concentrada na vida. Nos pequenos quês, nos infindáveis nadas, na luta contra o vazio, na busca de mantermos a nossa existência viva.

Porque, com o passar das estações por nós, afeiçoamo-nos a quem somos e aos outros seres que nos rodeiam, aprendemos a apreciar o movimento que elas nos trazem, a acompanhar as alterações que nós criamos no mundo e a adaptarmo-nos as mutações da própria natureza, a aceitarmos que, de alguma forma,  nós próprios vamos mudando. No entanto, gostamos de estar vivos e recusamos deixar esta forma de existência.

Huuum, que bem que sabe este chá quentinhoe damos mais uma “trinca” neste bolinho doce para o continuarmos a saborear. A sentirmo-nos felizes neste momento da vida. Porque a nossa felicidade está nas pequenas coisas.

Contudo, o pensamento divaga pela imensidão do nosso olhar, quando queremos questionar, afinal, sobre quem somos, sobre a nossa essência, quantas vezes, nos dias frios.

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