Era uma manhã tranquila, como qualquer outra e eu estava a preparar-me para sair de casa. Depois de fazer a cama, verificar as mensagens no telemóvel e decidir que o pequeno-almoço podia esperar, dirigi-me para a mesa da cozinha.
Aí estava ele, o meu fiel amigo Charlie, um cão fiel e com a língua de fora e olhar penetrante e um apetite voraz por tudo que não lhe era destinado, a não ser as famosas rações de salmão e biscoitos que lhe oferecia. Mas claro, que cão é que resiste a um bocado de papel?
Lá tinha eu deixado as minhas notas de 50 euros à vista, despreocupado, numa tentativa de ser mais organizado. «Fica tranquilo», pensei, «o Charlie não se atrev...». E, mal pus a mão na maçaneta da porta, chegou-me um ruído de papel rasgado e mastigado que interrompeu os meus pensamentos tranquilos. Era já muito tarde. Quando voltei, vi o Charlie, cuja expressão de felicidade era incapaz de contrariar o pânico que começava a crescer dentro de mim.
Ele parecia ter decidido que a melhor maneira de alegrar a manhã era fazer uma festança ao meu dinheiro. E lá estava eu, a olhar para as minhas notas, agora reduzidas a nada mais que confetis de euros. «Bem, ao menos poderia ser um novo método de poupança», pensei, enquanto ele mastigava com entusiasmo o que pareciam ser as últimas migalhas do que significava a segurança financeira da minha semana.
«Charlie!», gritei, como se o meu tom de voz pudesse trazer as notas de volta à vida. Mas o único retorno que recebi foi um olhar de puro desdém canino, como se dissesse: «A vida é curta, humano! O que é que há de tão especial nesses papéis?». Naquele momento desesperei, revirei os olhos, espumei da boca para fora, mas não havia retorno. Teria que comer sopa o resto da semana por falta de dinheiro.
E não é que ele tinha razão? Os meu pobres euros já não comprariam uma felicidade genuína nem a comida dele nem a minha; pelo contrário, na boca do meu cão, tinha encontrado um novo propósito: diversão.
Depois de uma luta interna entre a raiva e o riso, decidi que uma mera frustração não iria resolver nada. Lancei um olhar prático às migalhas do que foi o meu dinheiro. A primeira reacção foi a de correr ao veterinário. O que é que se faz quando o cão come notas de euro? Havia a possibilidade de um bloqueio intestinal ou um inquérito sobre as novas dietas caninas que envolvem gastronomia monetária. Mas, depois de uma breve pesquisa, percebi que, felizmente, os euros em papel não são tóxicos. Ufa!
Pensei também em como justificar a situação junto da minha mulher. «Amor, o Charlie comeu o dinheiro», soa como uma desculpa esfarrapada de um pirata canino perdido. E se ela me perguntasse se eu tinha mesmo certeza de que as notas não estavam lá por acaso? Afinal, a quem poderia interessar um euro em papel? O Charlie, visivelmente satisfeito, havia transformado notas numa obra de arte moderna, digna de museu.
Ao final do dia, quando eu já me recuperara da pequena (grande) tragédia financeira, olhei para o Charlie a dormir no sofá. Eu sabia que ele era mais do que um simples ladrão de notas — era o ladrão do meu coração. Então, também, por que não adoptar uma nova filosofia? O que importa se o dinheiro foi para o estômago de um cão? «Na próxima vida, Charlie, tentarei guardar o meu dinheiro em sítios mais seguros. E talvez o troque por um bom bocado de carne.»
E assim, entre risos e resmungos, aprendi a lição: não se deve subestimar a capacidade de um cão para transformar notas de euro em confetis — mas, acima de tudo, a vida é também feita de momentos divertidos (mesmo que isso inclua o consumo de papel-moeda). No final, no fundo do meu coração, percebi que o melhor que podia fazer era rir — mesmo que o buraco no meu orçamento já estivesse a dizer que iria viver um desespero económico nos dias seguintes. Charlie, o meu cão ladrão, terá sempre um lugar especial na minha vida, mesmo que isso custe uns bons euros!