"Tshim, tshim! Um brinde a nós.", disse um colega que, no grupo, festejava a amizade fora do âmbito profissional.
Sim, porque apesar de tudo, criam-se boas amizades ao longo dos anos dentro do contexto laboral.
"Que assim continuemos, juntos e fortes.", afirmava outra colega.
"Dal lavoro al piacere!", retorquiu a nossa personagem principal, procurando dar uma ênfase diferente ao brinde, numa língua sedutora, e sorriu. Apeteceu-lhe. Todos riram e brindaram mais uma vez.
São momentos como estes, que permitem descontrair do dia a dia, com rotinas que somente se vão alterando de vez em quando.
O ser humano precisa de viver horas na sua vida de forma relaxada, alegre, com um je ne sais quoi de loucura, procurando fugir ao stress e ao cansaço mental e físico causados pelo trabalho.
E, nada mais deu prazer a este grupo de solteiros, divorciados e viúvos, residentes em Lisboa e arredores do que optarem por uma saída ao final do dia, numa 6a feira, após terem petiscado algo num dos espaços da restauração do Centro Comercial das Amoreiras, perto do seu emprego e deslocarem-se de transportes públicos pela cidade atribulada de final de semana, até a um bar, o velho Fox Trot, uma das velhas glórias lisboetas dos anos 70, próximo do Jardim do Príncipe Real.
Lembranças de outros tempos que surgem aos seus olhos, nas paredes, nos cantos, nas mesas pequenas que se dispersam entre as salas, repletas de artigos variados que representam épocas anteriores àquela geração.
"Lembraste do almoço de despedida da Susana? Decidiu deixar este emprego e ir viver para a Suíça, onde se encontra muito bem.", retorquiu o Carlos.
"Sim, realmente foi a melhor decisão. Continuar a trabalhar num emprego em que a chefia desconsidera os conflitos e o mau estar existente entre colegas, contribuindo para que uma sensação de impunidade e de não resolução dos mesmos, seria o acentuar da sua desestruturação psicológica.", disse a Bruna.
Por um instante, o seu pensamento absteve-se da realidade e levou-a até passagens da vida que a marcaram.
Também esteve para se afastar do emprego ao qual se dedica diariamente, há tantos anos, cujo objetivo não é somente manter a sua sobrevivência e o seu bem-estar, mas também trabalhar em prol dos outros, dos quais faz parte. Circunstâncias que foram pesando de forma negativa à sua motivação e rentabilidade, contra as quais tem procurado lutar a fim de encontrar um equilíbrio. Para tal, é evidente que a orientação de algumas chefias e o apoio de vários colegas têm sido fundamentais ao longo dos anos. Assim como, a sua tolerância e equilíbrio mentais, e a entrega àquilo que lhe dá prazer na sua vida pessoal.
Bruna quis esquecer essa revolta que a acompanha há tanto tempo, pois naquela noite estava a usufruir de momentos diferentes e agradáveis junto de colegas próximos e que mereciam a sua confiança.
"Brindemos à vida!", afirmou elevando o copo moderadamente cheio com a sua bebida alcoólica preferida, Baileys Irish Cream. E, novamente, todos a seguiram em uníssono e sorridentes.
"Vamos jogar um pouco de bilhar.", convida o João. E ela anuiu. "Por incrível que pareça, confesso que já não jogo desde os finais dos anos 90, quando passei umas férias numa das ilhas do continente.", sorriu alegre. "Terás que me ajudar, João, a relembrar algumas nuances do jogo." "Claro, Bruna."
Após longos minutos à volta da mesa do bilhar, e já com a atenção dos outros colegas, que torciam ora por um ora pelo outro, aqueles momentos foram vividos com muita efusividade.
Bruna sentia-se perfeitamente integrada e envolvida neste grupo de três mulheres e dois homens que interagiam quase diariamente no mesmo emprego, na mesma unidade orgânica, com tarefas e objetivos definidos, alguns diferentes, outros semelhantes. Lutavam por um ideal, o bem-comum dos cidadãos, para além de melhores condições nesse mesmo local de trabalho e pelas suas categorias e posições remuneratórias, em que um ou outro colega se diferenciava.
A Joana conversava animadamente com o Carlos e a Patrícia. A Bruna e o João observaram-nos por momentos. "Como achas que a Patrícia realmente se sente?", perguntou o João. "Desmotivada e infeliz. Como a compreendo! Também já passei por isso. E tive que descobrir um meio termo para sentir-me mais equilibrada e adaptar-me às circunstâncias adoptando uma postura de distanciamento dessas emoções, tornando-me mais fria, aceitando-as mas nunca, nunca mesmo sujeitando-me a elas, para que pudesse ser livre.", afirmou Bruna. "Sim, a Patrícia terá que combater esse vazio, essa indefinição e essa revolta ao mesmo tempo. Porque tão depressa não terá possibilidade de sair desta área. Na atualidade, a palavra de ordem é, adapta-te.", confirmou o João. "Simplesmente, ela não é como tu, batalhadora, persistente. Entrega-se e sofre mais." "Concordo.", constata Bruna, "Por isso, nós estamos cá para ela.". João anuiu.
Esta postura defendida por estes colegas e amigos, não é muito comum. Atualmente, com receio de represálias, como a preocupação com a classificação a obter das chefias, o tratamento indiferenciado que os colegas e chefias poderão aplicar, a desvalorização das tarefas e funções atribuídas, a passividade dos colegas em apoiar quem precisa, entre outros fatores que poderão influenciar o bem-estar de um funcionário no seu local de trabalho, o impedimento para que hajam maiores ligações entre as pessoas é uma constante. Algo que a ação deste grupo contraria.
"Anda, vamos juntarmo-nos a eles, pois a Patrícia precisa de nós.", Bruna empurrou o João para a frente e dirigiram-se aos outros.
E, pediram mais uma bebida para todos antes de saírem.
Mas, não se dirigiram a casa. Pensaram que ainda seria cedo para regressarem aos seus lares e ambos gostariam de reviver uma época única desta geração. Decidiram deslocar-se a uma outra parte da cidade, não muito longe, a uma perpendicular da Av. XXVI de Julho, onde se situa a antiga e sempre vitalizada discoteca Plateau.
Oooh, saudades daqueles tempos, nos finais dos anos 80, princípio dos 90, quando cada um deles, ainda estudantes e quase no início de vida profissional, percorriam as ruas da capital, a pé na maior parte dos percursos, à procura de um destes locais de diversão noturna e que faziam as delícias da juventude.
Naturalmente que o grupo ainda não se conhecia e essas vivências deram-se na companhia de antigos colegas de liceu ou faculdade e de amigos.
E como a partir de uma certa altura, a idade começa a pesar sobre o corpo destes jovens à volta dos sessenta anos, deslocarem-se a pé por vários km numa noite fresca e algo húmida de Inverno não faz parte das suas opções e, como tal, chamaram dois táxis.
Momentos únicos, sentidos com naturalidade e ao mesmo tempo absorvidos com maturidade, contribuem para uma experiência enriquecedora na essência de cada um destes amigos. Poderão não a repetir, da mesma forma , contudo ficará gravada nas suas memórias.
Chegaram ao Plateau e esperaram mais de 15 minutos para entrarem no local, tal era a fila por volta da meia noite. E com o semblante admirado por renovarem as suas experiências individuais vividas noutra época, sentiram que regressavam ao passado. Dirigiram-se de imediato para uma mesa vazia, baixa, de bancos também baixos, apesar do espaço se encontrar cheio e com quase tudo ocupado, e passado alguns minutos apareceu um empregado. Pediram-se bebidas mais leves, entre elas sumos naturais para que minimamente se mantivessem “despertos” para o retorno às suas casas.
Entretanto, o som das músicas daquela época, as chamadas baladas ou slows, invadiram o espaço assim como a pista de dança foi-se enchendo. O João e a Patrícia, a Joana e o Carlos foram partilhar esse momento e a Bruna ficou sentada, a apreciar a sua bebida e em simultâneo a tirar fotografias para memória futura.
E, novamente, deixou-se envolver por recordações que só a si pertenciam, e a saudade surgiu com uma lágrima. Sorriu, agradecida por tudo o que teve oportunidade de viver e pelo enriquecimento pessoal e profissional, afinal, que lhe permitiu sentir-se feliz em tantas circunstâncias da sua existência.
O tempo passa, a vida muda e o caminho continua.
Assim, e voltando ao presente, após um fim de semana que Bruna espera seja tranquilo, uma renovada semana de trabalho e de atividades pessoais se seguirá. E tudo regressará à normalidade.