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A porta estava encostada, tal como eu havia pedido. De súbito, ouviu-se o estrondoso bater da porta de madeira antiga. Em seguida, ouviram-se os passos marcados a subir os degraus que rangendo a cada pisadela, mas não era quem ela estava a pensar.

Era um som familiar, mas também inesperado. Ela hesitou, com o coração a acelerar, como se o tempo tivesse parado por um instante.

A luz da tarde filtrava-se através das cortinas desgastadas, criando sombras dançantes no chão de madeira. Era um dia de outono e a brisa fresca trazia consigo o lamento das folhas secas. O ambiente estava azul e cheio de barulhos suaves, mas o que verdadeiramente ressoava era a expectativa que lhe oprimia o peito. O que faria se não fosse ele? 

O importuno fez-se ouvir novamente, mais forte e o coração de Clara disparou. Era um som qualquer, mas que ela sabia, podia trazer consigo uma nova realidade. Com uma hesitação que quase a paralisava, levantou-se do sofá onde tinha estado encostada, perdida em pensamentos e memórias que por ali se entrelaçavam.

A porta rangeu, algo que ela não se importava de ouvir, mas que naquele momento parecia um pré-sinal do que estava por vir. Passos próximos, a respiração contida… Ela abria a porta, considerando todas as hipóteses: um vizinho importuno, um vendedor ambulante, ou quem sabe, um novo começo.

Mas não era nada disto. Ao abrir a porta, deparou-se com uma jovem, talvez um ou dois anos mais nova, com um sorriso genuíno e uma expressão que revelava curiosidade e timidez. Teria ela trazido a luz de uma nova amizade, ou seria uma sombra do passado que não queria deixar de existir?

“Olá!” disse a rapariga, observando-a com um olhar que parecia conhecer segredos que Clara não estava preparada para partilhar. “Desculpa incomodar, mas sou nova na vizinhança e queria saber se podias ajudar-me com algumas direcções.”

Clara, ainda confusa, esboçou um sorriso. “Claro, entra.”

A forma suave da jovem trouxe um sopro de vida ao espaço que Clara tão meticulosamente havia isolado. A atmosfera pesada daquele lugar, que sempre estivera marcada por memórias de despedidas, parecia dissolver-se, dando lugar a algo que não se esperava: uma nova ligação num edifício quase deserto.

Conversaram ali, à beira da porta que antes separava mundos, agora amalgamada pelo calor de uma amizade que se iniciava. Clara descobriu, ao longo das horas, que não eram apenas direcções que a nova vizinha procurava. Precisava também de ouvir histórias, recordações, partilhar momentos. E, de repente, ambas viram-se a abrir janelas que estavam há muito tempo fechadas. Cada sorriso, cada riso partilhado, parecia desfazer a névoa da solidão.

Naquele dia, a porta encostada não era apenas o convite para alguém entrar, mas uma oportunidade para Clara redescobrir-se, reescrever a sua história. A vida estava-lhe a dizer que, mesmo nas esquinas mais escuras da saudade, havia sempre espaço para o novo, para a esperança. 

E assim, entre conversas e risos, Clara percebeu que o inesperado que batia à sua porta poderia ser o início de um capítulo cheio de luz, desde que ela estivesse disposta a rodar a fechadura e abrir o coração.

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