(Tempo de leitura: 2 - 4 minutos)


As almas mais seniores dirão que era o mundo associativo que tornava mais fácil a aventura da emigração.  Exercitava-se o espírito de comunidade, de pertença, de acção colectiva.  Juntavam-se compatriotas em festas populares, jogos de cartas, ensaios de música, assembleias de bitaites. 

Os emigrantes escolhiam um grupo, um espírito grupal, e integravam-no, quer fossem estudantes, empresários, aprendizes de macramé ou praticantes de concertina.  O emigrante português abandonava as dificuldades em Portugal, comprometido com a missão de criar uma vida melhor.  Saía com poucos euros no bolso e a missão profunda de criar raízes lá fora.  Via-se no futuro uma promessa por cumprir e o associativismo contrabalançava a perda de tudo o que se deixava para trás.  Tudo para (já agora) fazer o sacrifício da mudança valer a pena. 

Hoje a emigração é um fenómeno mais fluído.  O jovem emigrante (ou “expat” / ou beneficiário de um gap-year) vem com as opções sempre abertas para voltar, ou de saltar para outro país.  Há oportunidades de emprego sempre “on display” no LinkedIn e as novidades da família estão sempre connosco no ecrã retangular que temos no bolso das calças.  Hoje, nenhum de nós sabe o que é ter de esperar por “notícias de Portugal”.  Emigramos com a habitação previamente escolhida no Immoweb, um estudo prévio no Google Maps e a linha de metro mais útil decorada.  Hoje, “visitar a terra” concretiza-se com um fim-de-semana prolongado graças aos voos low-cost.  Por isso, no momento de fazer as malas, não fechamos realmente um capítulo.  Afastamo-nos com um ‘até já’ ou ‘até um dia destes’.  Com o mundo sempre em vista e os planos B e C salvaguardados, é natural que os jovens sintam menos necessidade de apostar todas as suas fichas num destino final.  Se não fazemos isso com a carreira, por que haveríamos de o fazer com a residência?  Já não casamos com o nosso país de acolhimento.  Vamos para namorar e ver no que dá.  E já nada é para sempre: só até deixar de fazer sentido.

Nesta evolução de coisas, o fenómeno do “associativismo” – dos domingos em círculo, guitarra e imperiais, dos planos discutidos em voz alta e organizações escritas em papel – passou de necessidade material a mera poesia patriótica.  O mundo associativo perdeu membros, perdeu tamanho e perdeu força.  E é aqui que os grupos de Whatsapp entram em ação: para colmatar as angústias migratórias que, por mais que os anos passem, existem de uma forma ou de outra.

Já pouco se invoca o conceito de comunidade (e diáspora, sejamos francos, é um termo foneticamente infeliz).  Mas “grupo” – e dito assim casualmente – serve perfeitamente.  São muitos, há para todos os gostos e funções, e dispensam burocracias.  Um nome, o número de telemóvel do costume e um link de entrada são o que baste.  A adesão não implica compromisso, muito menos a promessa de envolvimento emocional.  A realidade é mais pragmática do que isso: entramos e estamos a ver o que por ali se passa.  Estamos a ver as vistas.

Queremos, naturalmente, ser receptor das novidades, não vá o melhor evento da época passar-nos ao lado.  Já para não falar de que ganhamos muitos destinatários para as nossas perguntas desesperadas de última hora.  Aí, sim, e com o espírito de solidariedade de alguns, é provável que chegue algures uma mensagem amiga com a dica que nos safa.  Depois, e em tempo de férias ou maior cansaço, há sempre a tentadora possibilidade de os silenciar a todos.

São estas grandes moradias virtuais do Whatsapp, com hóspedes ilimitados, que apoiam os novos emigrantes dos dias de hoje.  Não havendo taxa de inscrição, nem tão pouco compromisso obrigatório, percebe-se quem receba notificações de 25 grupos em simultâneo.  O Whatsapp aguenta tudo e a nossa adição ao ecrã, infelizmente, também.  Ganhámos uma grande quantidade de novas conexões, é verdade, mas não creio que tenhamos conquistado uma integração correspondente.  Vale até a pena perguntar se estas redes sociais não nos limitam a convivência pela superficialidade.  Emigramos menos corajosos, com um pé em cada lado, e a mente em todo o sítio.  Talvez o associativismo de outros tempos tenham dado lugar a fóruns de assistência personalizada abertos 24horas.  Se calhar, hoje, é isso que preferimos...

É isso que preferimos?

Boletim informativo

FOTO DO MÊS

We use cookies
Usamos cookies no nosso site. Alguns deles são essenciais para o funcionamento do site, enquanto outros nos ajudam a melhorar a experiência do utilizador (cookies de rastreamento). Você pode decidir se permite os cookies ou não. Tenha em atenção que, se os rejeitar, poderá não conseguir utilizar todas as funcionalidades do site.