Milhares de agricultores europeus manifestaram-se hoje em Bruxelas contra o acordo UE–Mercosul. Os protestos degeneraram em confrontos com a polícia, expondo a forte contestação do setor agrícola a um dos acordos comerciais mais polémicos da União Europeia.
Bruxelas viveu hoje um dia de forte tensão com a mobilização de cerca de 10 mil agricultores europeus, vindos de vários países, contra os cortes nos apoios da Política Agrícola Comum (PAC) e contra a assinatura do acordo EU-Mercosul, um acordo de comércio livre entre a União Europeia e um bloco de países da América do Sul: Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia. A manifestação foi no dia da cimeira em Bruxelas, que reuniu os Chefes de Estado e de Governo dos 27 Estados-Membros da UE no Conselho Europeu para debater assuntos como este.
O acordo UE–Mercosul prevê a eliminação dos direitos aduaneiros sobre a grande maioria dos bens comercializados entre os dois blocos ao longo de um período de 15 anos. Em troca da abertura do mercado europeu a produtos agrícolas sul-americanos, a União Europeia passaria a exportar veículos, equipamentos de alta tecnologia, produtos químicos e farmacêuticos. Bruxelas apresenta o pacto como estratégico do ponto de vista económico e geopolítico, ambicionando criar a maior zona de comércio livre do mundo, no entanto, o setor agrícola europeu opõe-se firmemente.
Um dos pontos mais contestados prende-se com a facilitação da importação de produtos agrícolas, como carne bovina e avícula. Os agricultores alertam para uma concorrência que consideram desleal, sublinhando que os produtores sul-americanos não estão sujeitos às mesmas normas ambientais, sanitárias e laborais impostas na União Europeia, utilizando inclusivamente químicos proibidos na agricultura europeia.
O Parlamento Europeu previu no acordo um conjunto de salvaguardas agrícolas destinadas a proteger os produtores europeus. Estas medidas prevêem a possibilidade de suspensão dos benefícios tarifários sempre que os padrões da União Europeia não sejam respeitados, nomeadamente em situações de prejuízo para qualquer setor da agricultura europeia, quer em resultado de um aumento excessivo das importações provenientes da América Latina, quer do incumprimento das normas ambientais e sanitárias em vigor na UE.
O acordo UE–Mercosul, negociado ao longo de cerca de 25 anos, encontra-se concluído e com a assinatura oficial agendada para o próximo sábado, no Brasil, pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
Hoje, agricultores concentraram-se em bruxelas, perto do edifício Europa, onde decorria a cimeira, lançando petardos, fogueiras e tentando ultrapassar as barreiras policiais.
Em paralelo, uma segunda concentração teve lugar na Praça Luxemburgo, em frente ao Parlamento Europeu, onde a situação se agravou e degenerou em confrontos com a polícia belga. Registaram-se ataques às forças de intervenção, com arremessos de objetos, como petardos, atos de vandalismo, ateamento de fogo e violação de perímetros de segurança com a força dos tratores. Houve escalada da violência, com um trator que se dirigiu contra a linha da frente policial.
As forças policiais intervieram utilizando canhões de água e gás lacrimogéneo para dispersar os manifestantes mais violentos. As autoridades confirmaram a ocorrência de feridos, incluindo membros da polícia, e houve várias detenções. Foi ainda reportada a presença de indivíduos alheios à manifestação, responsáveis por atos de violência e vandalismo in situ.
Quando ao posicionamento dos estados-membro, França e Itália defendem o adiamento do acordo, enquanto Polónia e Hungria se posicionam contra a assinatura. Países como Portugal, Espanha, Alemanha e Estados nórdicos manifestam-se favoráveis, com a Bélgica dividida, numa possível abstenção.
As manifestações de hoje confirmam que o acordo UE–Mercosul continua a ser um dos dossiês mais controversos da agenda europeia, colocando os agricultores no centro de um debate que opõe competitividade global, soberania alimentar e justiça económica.




