A proposta de fusão de municípios em Portugal, especialmente nas regiões de baixa densidade populacional, tem vindo a ganhar destaque como uma possível resposta à desertificação do interior e à crescente ineficiência administrativa.
Defende-se que a criação de “mega municípios” poderá racionalizar recursos, reforçar a capacidade de resposta dos serviços públicos e tornar a gestão autárquica mais eficaz. À superfície, trata-se de uma ideia com mérito. No entanto, quando se olha com mais atenção, percebe-se que a questão está longe de ser apenas técnica — é, sobretudo, política, cultural e profundamente humana.
É inegável que muitos pequenos municípios enfrentam sérias dificuldades financeiras, falta de pessoal qualificado e meios limitados para responder às exigências da governação moderna. A fusão administrativa permitiria, em teoria, concentrar competências, reforçar a escala dos investimentos e melhorar o planeamento estratégico. Um município de maior dimensão poderia atrair mais investimento, gerir melhor os fundos comunitários e desenvolver políticas públicas mais ambiciosas e estruturadas.
Porém, este tipo de reforma não pode ignorar o valor simbólico e afetivo que os municípios representam para as comunidades. Em muitas regiões, sobretudo no interior, o concelho é mais do que uma estrutura administrativa: é parte da identidade coletiva, da história local e da vida cívica das populações. Apagar ou fundir esse nome — muitas vezes com séculos de existência — é, para muitos, um gesto de apagamento cultural. O sentimento de pertença, que é essencial à participação democrática, corre o risco de se esvaziar num modelo de governação mais distante, mais centralizado, mais impessoal.
A fusão de municípios também levanta questões importantes sobre representatividade. Com territórios maiores e populações dispersas, as comunidades mais pequenas podem perder influência política e acesso a serviços essenciais. A distância entre os eleitores e os decisores aumenta, e com ela, o risco de desinteresse, apatia e alienação. A democracia local vive da proximidade, do rosto conhecido no edifício da câmara, da resposta rápida à pequena reclamação — e é justamente essa proximidade que pode ficar comprometida.
A tudo isto soma-se um contexto político pouco propício à reforma estrutural. A verdade é que a regionalização e a reorganização do mapa autárquico têm sido sucessivamente adiadas não apenas por falta de consenso nacional, mas sobretudo por causa da instabilidade e das divisões internas nos partidos. Hoje, muitas estruturas partidárias parecem mais ocupadas em guerras intestinas do que em construir soluções para o território. A fragmentação, o personalismo exacerbado e a intolerância perante opiniões divergentes têm minado a capacidade de diálogo e bloqueado qualquer possibilidade de compromisso duradouro.
Infelizmente, assistimos a uma crescente falta de cultura democrática dentro dos próprios partidos. O debate político tornou-se um espaço de confronto permanente, onde a prioridade parece ser a anulação da opinião contrária e não a construção de entendimentos em nome do bem comum. Esta lógica de antagonismo permanente impede o surgimento de soluções de fundo e contribui para a paralisia das reformas que o país há muito necessita.
Neste cenário, torna-se difícil — senão impossível — concretizar uma fusão de municípios bem planeada, consensual e eficaz. Não por falta de argumentos técnicos ou necessidades objetivas, mas por ausência de uma base comum que permita avançar. Quando não existe um objetivo partilhado, uma visão clara do país que se quer construir, qualquer tentativa de reforma torna-se frágil, incompleta e condenada à resistência.
Assim, apesar de a fusão de municípios poder representar uma resposta válida aos desafios do interior, não há condições políticas nem sociais para a sua implementação num futuro próximo. Antes de redesenharmos o território, é necessário reconstruir o espírito cívico e democrático que sustenta qualquer projeto coletivo. Sem isso, qualquer tentativa de reorganização administrativa corre o risco de ser apenas mais uma mudança de forma — sem mudança de fundo. O interior de Portugal não precisa apenas de novos mapas: precisa, sobretudo, de novas atitudes, novas lideranças e de um compromisso real com a equidade, a eficiência e a dignidade de todos os cidadãos, independentemente do código postal.