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A imigração, outrora um tema quase invisível no debate público português, irrompeu nos últimos anos com uma força avassaladora, tornando-se não apenas visível, mas também profundamente polarizador.

O que era uma realidade demográfica e social, transformou-se numa arma de arremesso política, alimentada, muitas vezes, por perceções distorcidas e simplificações perigosas.

Um estudo recente do MediaLab da Universidade do Porto revela uma verdade chocante: a imigração dominou o discurso político online nas últimas três legislativas, acumulando em 2025 uns impressionantes 21 milhões de visualizações. Este valor é cinco vezes superior ao tema da corrupção, que historicamente tem sido central nas campanhas eleitorais. Estes números espelham não só a centralidade que a imigração ganhou no debate, mas também o sucesso de certas narrativas que a instrumentalizam.

A entrada massiva deste tema na arena política, especialmente a partir de 2023, foi acelerada por tragédias e por uma crescente visibilidade dos desafios associados a fluxos migratórios mais intensos. No entanto, é fundamental que o debate não se perca em receios infundados ou em abordagens simplistas que desumanizam as pessoas envolvidas.

É inegável que o aumento da população estrangeira em Portugal – de 1 em cada 200 habitantes em 1980 para 20 em cada 200 atualmente – traz consigo desafios económicos, sociais, políticos e culturais. No entanto, a forma como estes desafios são abordados no discurso político e mediático é crucial. Há uma perigosa tendência para explorar sentimentos racistas e xenófobos, ampliando desproporcionalmente os problemas e ignorando as vastas contribuições que a imigração traz para o país.

Assistimos a uma "obsessão com as migrações", como refere o investigador Peter Scholten. Esta obsessão não é exclusiva dos partidos populistas, mas estes são peritos em capitalizar a intranquilidade social. A ausência de uma política de imigração clara e abrangente por parte do Estado tem contribuído para a perceção de desorganização e, consequentemente, para a exploração demagógica do tema. A rigidez ideológica, tanto à esquerda como à direita, impede muitas vezes um debate construtivo, deixando-nos perante impasses que se tornam perigosos para a coesão social.

É urgente recentrar o debate nas pessoas. Em vez de focar apenas nos problemas, devemos olhar para as soluções, para as histórias de sucesso de integração e para o contributo inegável dos imigrantes para a economia e demografia portuguesa, que enfrenta o desafio do envelhecimento populacional. Muitos dos imigrantes que chegam a Portugal buscam apenas uma vida digna, contribuem para o sistema fiscal e de segurança social, e preenchem lacunas em setores essenciais.

É tempo de desintoxicar o debate sobre a imigração. Precisamos de uma política de imigração que seja clara, humana e eficaz, que aborde os desafios da integração com pragmatismo e que combata as narrativas xenófobas com factos e sensatez. A intranquilidade social é real e precisa de ser tratada, mas não através da simplificação ou da demonização. A razão política exige que regressemos à "sensatez primordial", colocando a dignidade humana e o interesse nacional acima da agenda eleitoralista e da polarização.

Portugal, um país com uma vasta história de emigração, deveria ser um exemplo de acolhimento e integração. A narrativa sobre a imigração tem de ser construída sobre a realidade, e não sobre a perceção distorcida. O futuro de Portugal, na sua essência, depende também da forma como abraçamos e integramos aqueles que escolhem fazer deste país a sua nova casa.


 



 

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