A investigadora Yvette Santos considera que o Estado Novo condicionava a emigração portuguesa, enquanto piscava o olho às remessas dos emigrantes, legais ou ilegais, o que justificou que o controlo andasse lado a lado com o “salto”.
Nascida em França, Yvette dos Santos é investigadora contratada do Instituto de História Contemporânea na universidade NOVA-FCSH e publicou recentemente o livro “Ditadura Portuguesa e Política Emigratória”, que parte da história institucional da Junta da Emigração, a agência governamental criada em 1947 para ordenar as saídas da população.
Em entrevista à agência Lusa, Yvette dos Santos disse que, tal como ainda hoje, antes do 25 de Abril de 1974 os portugueses emigravam para ter uma vida melhor, o que passava por um emprego e melhores vencimentos.
Mas existiam outras razões relacionadas com a ditadura, como a guerra colonial, de que muitos tentavam fugir ao emigrar.
Segundo Yvette dos Santos, “durante a ditadura conviveu-se com as duas realidades: uma emigração irregular e uma emigração legal”.
Ao criar a Junta de Emigração, em 1947, “o Governo tenta organizar as saídas legais, fazer com que as pessoas saíssem de maneira legal, de maneira a evitar uma saída descontrolada e evitar a emigração clandestina”.
“A emigração clandestina não era vista como boa para os interesses sócio económicos do país, porque a partir do momento em que se sai de forma clandestina não se tem controlo sobre ela e não se pode rentabilizar essa emigração”, disse.
E prosseguiu: “Havia uma necessidade de evitar que ela [esta emigração] saísse, impondo um sistema legal que permitisse garantir uma saída, desde que não fosse muito numerosa, mas que permitisse aliviar algumas situações de tensão sociais e económicas em Portugal”.
Por um lado, explicou, o regime defende uma emigração legal e organizada, que proteja os emigrantes, porque “quando saem de forma clandestina não são protegidos e podem ser mais facilmente exploradas, enganados”.
“Mas também é uma vontade oficial de mostrar que o Estado, que o Governo português atua contra a emigração clandestina e evita que esses emigrantes se coloquem numa posição de explorados”, referiu.
A investigadora atenta para a “hipocrisia” do discurso, pois enquanto se tenta “controlar a emigração clandestina, ao mesmo tempo deixava-se sair”.
Prova disso foram os meios organizados para controlar as saídas, nomeadamente ao nível da fronteira, e que “ficaram muito aquém daquilo que se poderia fazer, porque na realidade também se percebeu, e sobretudo com a França, que havia interesse no dinheiro e nas remessas dos emigrantes”.
Emigrantes que saíam clandestinos, a “salto”, mas que encontravam emprego em França, resolviam a sua situação, mais tarde também com as autoridades portuguesas, e enviavam as tão bem-vindas remessas.
E, ao mesmo tempo, explicou, o Governo passava uma mensagem às elites económicas portuguesas de que estava a defender os seus interesses, ao controlar as saídas e assim assegurar “uma mão-de-obra que fosse abundante e barata”.
O pico da emigração portuguesa registou-se entre 1969 e 1973, tendo sido interrompida em 1974, em parte devido às expetativas das mudanças oriundas da queda do regime, mas também porque algumas portas de países de destino deixaram de estar tão abertas.
“Em termos institucionais e em termos administrativos houve uma grande mudança porque, até 1974, a emigração era condicionada a certas regras impostas pelo país, por Portugal”, observou.
Outras mudanças passaram pela possibilidade de os emigrantes votarem e o fim da guerra colonial, da qual já não era preciso fugir.
Portugal tem, de acordo com os dados das Nações Unidas citados no último relatório do Observatório da Emigração, “um pouco mais de 2,1 milhões de portugueses emigrados, isto é, de pessoas nascidas em Portugal a viver no estrangeiro”.
França é o país do mundo com maior número de imigrantes residentes nascidos em Portugal (573.000), seguindo-se a Suíça (204.000), os Estados Unidos (184.000), o Reino Unido (156.000), o Brasil (138.000), o Canadá (134.000) e a Alemanha (115.000).